segunda-feira, 16 de agosto de 2010
Olhar Estrangeiro
Os franceses Niépce e Daguerre não tinham, talvez, a exata dimensão do que hoje alcançaria a sua invenção (esses dois foram os inventores da fotografia). Desde a primeira reprodução, em 1826, muita coisa aconteceu, mas o nome do processo continua o mesmo: “batemos” ou ‘tiramos” fotos, não importa o momento tecnológico.
E veio gente de tudo quanto foi lugar pra “bater” fotos de Paris na segunda metade do século XIX: além dos franceses, tinha gente de Amsterdã, Roma, Berlim, Nova Iorque, Lisboa, Budapeste... Enfim, quem quiser saber um pouco mais sobre o assunto, procure pelo ensaio de Walter Benjamin, “Pequena história da fotografia”. É um primor.
O que de interessante tem nessa gente toda de fora fotografando Paris é que ela recebeu o olhar estrangeiro. Quem viaja, conhece esse olhar. Você vai vadiando, andando pelas ruas do lugar visitado, de repente para num determinado monumento, numa paisagem bucólica, praça, praia ou qualquer lugar bonito e... clic. Esse barulhinho, que antes representava onomatopeicamente o ato de se “tirar” a fotografia, também mudou; anda pra lá de diversificado. E tem gente que fotografa de tudo, do luxo ao lixo; do profano ao religioso; do comum ao inusitado.
Recentemente estive num lugar da minha infância: a Ilha de Paquetá – a Ilha dos Amores, alcunha recebida do nosso Príncipe-Regente D. João, que a frequentava assiduamente. Historicamente, Paquetá já vale a visita: tem a casa em que José Bonifácio morou por um tempo, tem o Solar Del Rei, onde ficava a gente da realeza, tem o canhão que certamente foi disparado pelos homens de Estácio de Sá contra os franceses, tem é história por lá. Há também as paisagens bucólicas fornecidas pelo belo parque Darke de Matos e, evidentemente, as praias (impróprias para o banho, é verdade; a maré estava baixa e a renovação das águas demora um pouco, pelo menos até a lua se mexer e influenciar as marés). Uma praia muito visitada é a da Moreninha (A moreninha, pra quem não conhece porque não foi obrigado a ler na escola, é um romance de Joaquim Manuel de Macedo, publicado em 1844 e que ajudou a popularizar e imortalizar a Ilha de Paquetá).
Mas há muito mais em Paquetá do que possa alcançar nossas potentes lentes (e mentes) fotográficas. Não há veículos automotivos circulando em Paquetá, salvo aqueles essenciais: o carro do lixo ou da assistência médica. A polícia vai de bicicleta, o meio de transporte utilizado junto com as charretes. É interessante observar as casas da ilha: não têm portões de garagem. Como visitava Paquetá frequentemente na minha infância e, naquela época, nunca prestei a devida atenção a esse fato, hoje observo o que é morar num lugar onde não circulam carros e as casas não têm portões de garagem. Fotografei algumas dessas casas. Indo mais um pouco em busca do inusitado (o olhar estrangeiro), descobri o cemitério de Paquetá. Que lugar bonito, agradável, arborizado. E a capela! Toda construída com pedras - e nas pedras! É arte! Fotografei. Ao lado do cemitério, tem um cemitério de pássaros, o único do Brasil. É um lugar cheinho de covinhas, com jaziguinhos e tudo! Fotografei. Fundada em 1697, tem a capela de São Roque, padroeiro do lugar. A Matriz é a Igreja do Senhor Bom Jesus do Monte, que tem em seu jardim um altar nas pedras, coisa mais linda de se ver (e reverenciar)! Fotografei. Fotografei também as fachadas das casas, com imagens em azulejo de São Jorge, São Sebastião, São Roque, São Cosme e Damião, não dá pra listar aqui.
Creio que o meu olhar de hoje registrou eventos que o meu olhar infantil, que registrava praias, pedalinhos e sorvetes, jamais percebeu. E em todos os olhares, percebo a magia poética daquilo que registramos. Li em algum lugar, certa vez, que há poesia num fim de tarde em Cubatão ou num sorriso de um menino paquistanês. O que altera os nossos sentidos é o modo como percebemos os eventos, e como essa percepção nos afeta mental e emocionalmente. Olhar para todas as coisas como se fosse a primeira vez é ter sempre aquele olhar estrangeiro sobre todas elas. É uma surpresa a cada olhar (ou a cada clic!).
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